O lobo-indiano ou lobo-iraniano (Canis lupus pallipes) é uma subespécie de lobo-cinzento que habita desde o Sudoeste Asiático ao subcontinente indiano. É intermediário em tamanho entre o lobo-do-himalaia e o lobo-árabe, e não possui a luxuriante pelagem de inverno do primeiro, pois vive em condições mais quentes.[1] Nesta subespécie, o lobo das planícies indianas é geneticamente basal para todos os outros Canis lupus existentes, com exceção do lobo-do-himalaia, de linhagem mais antiga, tendo os dois sido propostos como espécies separadas.[2][3] O lobo-indiano viaja em grupos menores e é menos vocal que outras variantes do lobo-cinzento,[4] além de ter a reputação de ser dissimulado.[5][6]
O lobo-indiano foi descrito pela primeira vez em 1831 pelo ornitólogo britânico William Henry Sykes, sob o nome binomial Canis pallipes.[7] Em 1941, Reginald Innes Pocock subordinou-o a Canis lupus, sob o nome trinomial Canis lupus pallipes.[1]
Em 2018, o sequenciamento do genoma completo foi usado para comparar membros do gênero Canis. O estudo encontrou evidência de fluxo genético entre o lobo-dourado-africano, o chacal-dourado e o lobo-cinzento (da Arábia Saudita e Síria). Um lobo-dourado-africano da Península do Sinai egípcia mostrou alta mistura com os lobos-cinzentos do Oriente Médio, ressaltando o papel da ponte terrestre entre os continentes africano e eurasiano na evolução dos canídeos. Concluiu-se que o lobo-dourado-africano é descendente de um canídeo geneticamente misturado, com 72% do lobo-cinzento e 28% de um ancestral do lobo-etíope.[8]
Árvore filogenética dos canídeos semelhantes ao lobo existentes atualmente, com tempos em milhões de anos
Caninae 3.5 Ma 3.0 2.5 2.0 0.96 0.60 0.38 0.25 0.12 0.08 0.031Lobo do final do Pleistoceno †
Lobo-dourado-africano noroeste da África
Lobo-dourado-africano leste da África
O lobo das planícies indianas[9] é formado por dois haplótipos proximamente relacionados de DNA mitocondrial de linhagem materna,[3] que se enquadram na subespécie Canis lupus pallipes do lobo-cinzento. Ele é encontrado somente nas planícies áridas e semiáridas peninsulares da Índia.[3] Essas linhagens do lobo são geneticamente únicas em relação a todos os outros lobos do mundo e entre si.[10][9] O lobo cinzento indiano e o lobo-do-himalaia são filogeneticamente basais para todos os outros lobos e são mais próximos do lobo-dourado-africano. Isto indica que eles são descendentes de uma distribuição antiga do lobo.[3][9] Em abril de 2009, o nome binomial Canis indica foi proposto para esses dois haplótipos, como uma separação de nomenclatura e taxonômica do Canis lupus e criação de nova espécie através do Especialista de Nomenclatura do Comitê de Animais do CITES.[11] O comitê posicionou-se contrário a esta proposta, mas recomendou que o nome fosse incluído na base de dados de espécies como um sinônimo do nome que estava listado.[12] A proposta era baseada em um estudo[3] que se apoiava em um número limitado de amostras de museus e zoológicos, que podiam não ser representativos da população selvagem, tendo sido requeridos estudos de campo adicionais.[13]:886
Antes disso, dois grupos tinham sequenciado o DNA mitocondrial do lobo cinzento indiano e descobriram que ele é basal para todos os outros haplótipos existentes de Canis lupus, com exceção do lobo-do-himalaia, de linhagem mais antiga.[2][3] Estudos posteriores compararam essas sequências com as de lobos de todo o mundo e confirmaram esta posição basal.[14][15][16] Um estudo, baseado em um registro fóssil, estimou que a divergência entre o coiote e as linhagens de lobo ocorreu um milhão de anos atrás e, assumindo uma taxa de mutação do lobo, estimou que a divergência entre o lobo cinzento indiano e o ancestral do cão/lobo ocorreu há 400 mil anos.[2] Outro estudo, que expressou dúvidas quanto ao estudo anterior, deu uma estimativa de 270 mil anos.[3]
O lobo cinzento indiano está em perigo de extinção e sua população é estimada em 2 000-3 000 indivíduos.[2] Ele se parece com o C. l. pallipes em sua aparência externa (características morfológicas) e no seu comportamento social/reprodutivo, mas é menor em tamanho. Ele é geneticamente distinto do C. l. pallipes. Esses achados sugerem que que o lobo cinzento indiano não é o pallipes encontrado no Oriente Médio e Ásia Central.[3] Foi, portanto, proposto que o lobo cinzento indiano fosse reclassificado como a espécie separada Canis indica.[2][3] Em 2016, um estudo de mtDNA dos lobos modernos e antigos indicou que o lobo cinzento indiano e o lobo-do-himalaia eram geneticamente basais quando comparados com todos os outros lobos cinzentos.[17]
A referência taxonômica Taxonomia de Wilson e Reeder (2005) não reconhece Canis indica, entretanto o GenBank/National Center for Biotechnology Information relaciona Canis lupus indica.[18]
O lobo-indiano é similar em estrutura ao lobo-eurasiático, mas é menor, mais esguio e tem pelo mais curto, com menos ou nenhum pelo inferior.[5] Ele tipicamente mede entre 57 e 72 cm de altura no ombro, com os machos pesando entre 19 e 25 kg e as fêmeas entre 17 e 22 kg. Seu comprimento varia entre 103 e 145 cm do focinho à cauda.[19] Como o lobo-árabe, ele tem pelo curto e fino no verão, embora o pelo no traseiro permaneça longo mesmo no verão, uma adaptação que se acredita destinar-se a proteção contra a radiação solar.[20] O pelo é geralmente acinzentado-vermelho a avermelhado-branco com tons de cinza. Os pelos são acinzentados com preto, particularmente no traseiro, formando uma mancha escura em forma de V ao redor dos ombros. As patas são mais pálidas do que o corpo, e as partes inferiores são quase completamente brancas.[4] Os filhotes nascem com a cor marrom fuliginosa, com uma mancha branca leitosa no peito, que some com a idade.[5] Espécimes pretos são raros, mas foram registrados no distrito de Solapur na Índia e em duas regiões do Irã. Neste último país, a mutação ocorre naturalmente, diferentemente dos lobos-cinzentos norte-americanos, que herdaram o alelo Kb, responsável pelo melanismo, de intercruzamento no passado com cães.[21][22]
Seus hábitos são similares aos de outras subespécies de lobos cinzentos, embora o lobo-indiano geralmente viva em matilhas menores, raramente excedendo 6-8 indivíduos, e seja relativamente menos vocal,[5] sendo raramente conhecido por uivar.[4] A vocalização do lobo-indiano inclui uivos, uivos-latidos, choramingos, guinchos sociais e ganidos, tendo os uivos uma frequência média de 422 Hz e os ganidos 906 Hz.[23] Há pelo menos um registro de um lobo solitário associando-se com um par de cães-selvagens-asiáticos no Santuário de Vida Selvagem de Debrigarh.[24] Ele tende a se reproduzir entre o meio de outubro e fim de dezembro, e as crias nascem em buracos ou em ravinas.[4] Ele tipicamente caça antílopes, roedores e lebres. Geralmente caça em pares quando o alvo são antílopes, com um lobo atuando como chamariz enquanto o outro ataca por trás.[5] O território do lobo-indiano coincide com os do chacal-dourado, urso-beiçudo, leopardo, urso-pardo, leão-asiático e tigre.[25][26]
Os lobos-indianos são noturnos e caçam do anoitecer à alvorada, usando diferentes estratégias para as suas várias presas.[27][4] Diz-se que esses lobos são excepcionais quanto à velocidade e resistência. Uma matilha de lobos-indianos se espalha quando caça lebres-indianas e vários roedores, em contraste com a coordenação desenvolvida quando o alvo é o antílope-negro. Este antílope é a principal presa para lobos em Nannaj e no Parque Nacional Blackbuck, e constitui até 88% do consumo de biomassa do lobo-indiano.[28] Como o antílope é mais veloz, os lobos-indianos normalmente o perseguem em direção a ravinas, moitas ou depressões, onde mais lobos aguardam em emboscada.[5] [29] Além de dirigirem os antílopes para emboscadas, os lobos-indianos podem persegui-los descendo colinas em explosões de velocidade de curta duração. Os lobos-indianos também podem selecionar um animal doente ou machucado e separá-lo do bando, perseguindo-o até a exaustão. Esta estratégia é comumente vista em lobos-cinzentos, e com frequência é bem-sucedida. Finalmente, quando eles cobrem a distância e atacam, um único lobo agarra o focinho para asfixiar o antílope, enquanto os outros atacam por trás. Também foi registrado que os lobos-indianos usam a curiosidade para atrair antílopes para a morte. Uma história relata que um lobo rolava com as patas para cima, quando os antílopes estavam pastando. Quando o antílope acidentalmente interferiu com este lobo, dois outros saltaram para matá-lo.[5]
Durante o século XIX, os lobos se espalhavam em muitas partes do leste da Terra Santa e no oeste do rio Jordão. Entretanto, eles diminuíram consideravelmente em número entre 1964 e 1980, principalmente devido a perseguição por fazendeiros.[30] Atualmente, as políticas de conservação de Israel e a efetiva imposição da lei mantêm uma população de tamanho moderado, que se irradia para os países vizinhos. A Turquia pode ter um papel importante na manutenção dos lobos na região, devido a sua contiguidade com a Ásia Central. As montanhas da Turquia serviram como refúgio para os poucos lobos remanescentes na Síria. Uma pequena população ocorre nas colinas de Golã e está bem protegida pelas atividades militares desenvolvidas lá.[31] Embora os lobos da Turquia não tenham proteção legal, eles contam cerca de 700 indivíduos.[32]
Pouco se sabe das populações atuais de lobos no Irã, que ocorriam por todo o país em baixas densidades em meados dos anos 1970.[31] Embora espalhados por todo o país e ausentes somente no deserto central de Lute, não há estimativa confiável do tamanho da população de lobos lá. Os lobos do Irã continuam a sofrer com a perda de hábitat, caça irregular e perda de presas.[33][34]
As regiões setentrionais do Afeganistão e Paquistão são redutos importantes para o lobo. Estima-se que haja cerca de 300 lobos em aproximadamente 60 mil quilômetros quadrados de Jammu e Caxemira, no norte da Índia, e mais 50 em Himachal Pradesh.[31] Os hindus tradicionalmente consideravam a caça de lobos, mesmo os perigosos, como tabu, por medo de provocar más colheitas. A etnia santal, entretanto, os considerava animais de caça, como todos os animais silvestres.[35] Durante a ocupação britânica da Índia, os lobos não eram considerados espécies de caça esportiva, e eram mortos principalmente em resposta aos ataques a rebanhos e a pessoas. Em 1876, nas províncias do noroeste e no estado de Bihar, 2 825 lobos foram mortos em resposta a 721 ataques fatais a humanos.[36] Dois anos depois, 2 600 lobos foram mortos devido a ataques que deixaram 624 pessoas mortas.[37] Até os anos 1920, o extermínio dos lobos permaneceu uma prioridade nas províncias do noroeste e na região de Oude. Ao todo, mais de 100 mil lobos foram mortos mediante recompensa na Índia Britânica entre 1871 e 1916.[36] Na Índia moderna, o lobo-indiano está distribuído nos estados de Guzerate, Rajastão, Haryana, Uttar Pradesh, Madhya Pradesh, Maharashtra, Karnataka e Andra Pradexe. Desde 2004, estima-se que haja 2 000-3 000 lobos no país.[38] Eles se encontram principalmente fora de reservas protegidas e se alimentam de animais domésticos, como cabras ou carneiros. Entretanto, nas áreas onde as presas naturais ainda são abundantes, por exemplo no Parque Nacional de Velavadar ou no Parque Nacional de Panna, essas presas naturais são preferidas.[39] Embora protegidos desde 1972, os lobos-indianos são considerados Em Perigo, com muitas populações subsistindo em pequenas quantidades ou vivendo em áreas cada vez mais ocupadas por humanos. Embora presentes no Butão, não há informação sobre os lobos que ocorrem lá.[31]
Lobos-indianos têm uma história de predação de crianças, um fenômeno chamado “roubo de criança”. Em 1878, 624 pessoas foram mortas por lobos em Uttar Pradesh e 14 outras em Bengala.[40] Em 1900, 285 pessoas foram mortas nas Províncias Centrais.[41] Entre 1910 e 1915, 115 crianças foram mortas por lobos em Hazaribagh, e 122 foram mortas na mesma área entre 1980 e 1986. Em Jaunpur, Pratapgarh e Sultanpur, em Uttar Pradesh, lobos mataram 21 crianças e feriram outras 16 na mesma área entre 27 de março e 1º de julho de 1996. Entre abril de 1993 e abril de 1995, cinco matilhas de lobos atacaram 80 crianças em Hazaribagh, Koderma ocidental e Latehar, 20 das quais foram resgatadas. As crianças foram levadas principalmente nas noites de verão, frequentemente em povoamentos humanos.[40]
No Irã, ataques de lobos têm sido registrados por milênios. Como na Índia, muitos casos de lobos roubando crianças pequenas foram registrados. Adultos foram atacados ocasionalmente, como por exemplo um incidente em que um policial foi morto e parcialmente devorado por três lobos após desmontar de seu cavalo para se aliviar.[42] Em 2 de janeiro de 2005, na vila de Vali Asr, perto da cidade de Torbat-e Heydarieh, nordeste do Irã, uma matilha de lobos atacou um homem sem lar na frente de testemunhas. Embora a polícia tenha intervindo, o homem morreu em virtude dos ferimentos.[43] Em novembro de 2008, a imprensa noticiou que um lobo havia atacado uma mulher de 87 anos no cemitério da vila de Caxã no Irã central, mordendo um dos seus dedos, mas ela resistiu e ele foi sufocado até a morte.[44]
Lobos-indianos se alimentam de gado quando as presas naturais ficam escassas. Isto causa conflitos com humanos e perseguições a lobos desde que a densidade populacional humana se tornou alta nessas áreas.[45] A relva é rapidamente consumida pelo gado em pastagens desprotegidas, que depois não podem sustentar uma população de antílopes.[29] Entre os animais domésticos, as cabras são o alvo principal dos lobos-indianos, respondendo por 66% dos ataques de lobos em torno do distrito de Jhelum, ficando os carneiros em segundo lugar, com 27%.[46] Os lobos são também mais propensos a atacar o gado nos períodos em que estão nas tocas e com filhotes entre 5 e 6 meses de vida.[29] Não é incomum que os locais exagerem na magnitude da predação por lobos e contem histórias dos seus estratagemas de caça, contribuindo para o ódio contra o animal.[5][6][29]
Como a raposa e o coiote, o lobo-indiano tem reputação de ser inteligente. Há muitas histórias dos seus estratagemas contadas pelos locais, observadores e pastores.[5][6] O povo de Maharashtra canta ''“labad landga dhong kartay”, que se traduz como “lobos são animais inteligentes e vão enganar você com os seus métodos diabólicos”.[47]
Lobos são mencionados ocasionalmente na mitologia hindu. No Harivamsa, Krishna, para convencer o povo de Vraja a migrar para Vrindavan, cria centenas de lobos a partir dos seus cabelos, o que apavora os habitantes de Vraja e os convence a fazer a jornada.[48] No Rigueveda, Rijrsava é cegado pelo seu pai como punição por ter dado 101 carneiros da família para uma loba, que em troca reza para Asvins restaurar a sua visão.[49] Bhima, o voraz filho do deus Vayú, é descrito como Vrikodara, significando “com estômago de lobo”.[50]
O lobo tem uma reputação ambivalente na cultura iraniana, sendo demonizado no Avestá como uma criação de Arimã,[49] e ainda participa em fábulas contemporâneas, contadas para crianças malcomportadas.[51]
Os lobos-indianos têm um papel central na série O Livro da Selva de Rudyard Kipling, em que uma matilha na área de Seoni, Madhya Pradesh, adota a criança selvagem Mogli e lhe ensina como sobreviver na selva, enquanto o protege do tigre-de-bengala Shere Khan e de um cão-selvagem saqueador.
O lobo-indiano ou lobo-iraniano (Canis lupus pallipes) é uma subespécie de lobo-cinzento que habita desde o Sudoeste Asiático ao subcontinente indiano. É intermediário em tamanho entre o lobo-do-himalaia e o lobo-árabe, e não possui a luxuriante pelagem de inverno do primeiro, pois vive em condições mais quentes. Nesta subespécie, o lobo das planícies indianas é geneticamente basal para todos os outros Canis lupus existentes, com exceção do lobo-do-himalaia, de linhagem mais antiga, tendo os dois sido propostos como espécies separadas. O lobo-indiano viaja em grupos menores e é menos vocal que outras variantes do lobo-cinzento, além de ter a reputação de ser dissimulado.